quarta-feira, 23 de março de 2011

Onde está Deus na tragédia?

"Nosso próprio inconformismo com as catástrofes
prova que estamos acostumados à ordem."
O terremoto e os tsunamis que devastaram parte da região costeira do Japão já contabilizam quase 10 mil mortos e quase 15 mil pessoas oficialmente desaparecidas. Em meio a tragédias como esta, sempre surgem aquelas perguntas inquietantes que muitos cristãos evitam: Onde Deus estava? Por que ele não fez nada? Deus podia fazer alguma coisa? Deus queria fazer alguma coisa? Deus realmente se importa?

De uns tempos pra cá, qualquer pessoa que tenha a intenção de defender a fé cristã tem de inevitavelmente lidar com a questão do sofrimento humano. Isso porque o sofrimento parece inconciliável com a ideia de que existe um Deus que é, ao mesmo tempo, onipotente e bom. Sem dúvida, o enigma do sofrimento é um dos maiores desafios lógicos, filosóficos, teológicos e pastorais com os quais os cristãos precisam lidar. Como a igreja pode responder às questões levantadas pela tragédia? Como a igreja pode responder particularmente àqueles que sofrem? Como a igreja pode perseverar em meio ao próprio sofrimento?

É impossível responder ao sofrimento, sem considerar as três maiores virtudes cristãs: a fé, a esperança e o amor. Elas são a base de tudo na teologia e na tradição cristãs. Se alguém nos perguntasse qual a resposta cristã para o sofrimento humano, teríamos de propor uma tríplice resposta: 1) fé na Palavra de Deus; 2) esperança num futuro sem sofrimento; e 3) amor por Deus e pelos que sofrem.

Fé na Palavra de Deus. Qualquer resposta à questão do sofrimento que não considere de modo amplo e honesto a revelação bíblica é incompleta e equivocada. Não se pode refletir sobre o sofrimento, sem uma "cosmovisão cristã", isto é, sem uma visão de mundo pautada no que a Bíblia diz. Os três conceitos basilares da cosmovisão cristã são: a criação, a queda e a redenção. A Escritura diz que Deus criou todas as coisas. E que ele as criou justas, perfeitas e com propósito. "No princípio Deus criou os céus e a terra (...) e tudo havia ficado muito bom" (Gn 1.1,31). Mesmo os sinais mais eloquentes de desordem no universo não são suficientes para anular as provas incontestáveis de que a ordem existe. Nosso próprio inconformismo com as catástrofes prova que estamos acostumados à ordem. Esperamos a ordem.

Mas a Bíblia não diz só isso. Ela diz que há um problema com o universo. E o problema somos nós. Logo nas primeiras páginas da Escritura, deparamo-nos com o registro da rebelião do homem contra Deus. Em sua busca impensada pela emancipação, o homem separou-se de Deus, passou a viver para si mesmo e colheu os frutos amargos de seu pecado. O capítulo 3 do primeiro livro da Bíblia lista algumas das inevitáveis consequências da separação entre a criatura e o Criador. Desarmonia entre homens e animais, degradação da natureza, relações interpessoais conturbadas, escassez ou dificuldade de acesso aos recursos naturais, males físicos e emocionais e, por fim, a própria morte são alguns dos resultados da queda do homem. Segundo a tradição judaico-cristã há um culpado pelo mal e pelo sofrimento presentes no universo: o homem.

Contudo, a cosmovisão cristã não se resume aos conceitos de Criação e Queda. A esperança dos crentes de todos os tempos e lugares, ao longo de vinte séculos de tradição cristã, repousa sobre uma terceira verdade inabalável: a Redenção. Todos os textos apocalípticos, tanto do Antigo Testamento como do Novo Testamento, apontam para a restauração final e definitiva de todas as coisas. A ordem será restabelecida. Um reino justo e perfeito será inaugurado. A paz, a justiça e a alegria durarão eternamente. Ante esta bendita esperança, Paulo diz que: "Os nossos sofrimentos atuais não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada" (Rm 8.18). Noutra de suas cartas, o apóstolo diz que "nossos sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos eles" (2Co 4.17).

Esperança num futuro sem sofrimento. No que diz respeito à expectativa de que Deus conserte tudo definitiva e eternamente, o pensamento do apóstolo Paulo está em harmonia com todos os demais autores da Bíblia. Do começo ao fim, a Escritura aponta para a restauração de todas as coisas. O último livro da Bíblia, por exemplo, descreve assim o desfecho da História:
Então vi novos céus e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham passado; e o mar já não existia (...) Ele [Deus] enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou (...) Estou fazendo novas todas as coisas. (Ap 21.1-5)
Em suma, o que a Bíblia diz sobre a situação da humanidade, do mundo e do universo é que nossos fracassos não são definitivos. A desordem não será a última palavra a respeito da nossa realidade. A morte não é o fim. Cristo é a nossa "esperança da glória" (Cl 1.27). Não precisamos nos encolher ante o sofrimento presente no mundo. Deus dará pessoalmente um basta a toda forma de mal. Ele enxugará cada lágrima e aliviará toda dor. E ele não fará isso por meio de uma consolação parcial, mas de uma redenção total.

Amor por Deus e pelos que sofrem. No entanto, a verdade é que ainda não vivemos na glória. Temos, portanto, de responder à questão do mal, enquanto vivemos sob as consequências da Queda. Enquanto Deus não conclui a História, temos de expressar de maneira prática nossa fé e nossa esperança cristãs, sobretudo quando estamos diante do sofrimento. E a única resposta cabível para o problema do sofrimento é o amor.

Por que as pessoas sofrem? Não existe uma resposta simples e universal para esta pergunta. Alguns sofrem em consequência de seus próprios pecados ou dos pecados de terceiros. Outros sofrem porque Deus quer chamar-lhes a atenção. Há ainda os que têm o caráter aperfeiçoado pelo sofrimento. Os cristãos podem sofrer de modo disciplinar. Deus pode usar o sofrimento para atrair os descrentes. Enfim, há tantas respostas possíveis, que não temos o direito de ocupar todo o nosso tempo procurando por elas. Temos de fazer alguma coisa enquanto sofremos ou enquanto alguém à nossa volta sofre. A resposta cristã para o sofrimento é o amor. Em primeiro lugar, o amor por Deus - amor a ser preservado, mesmo em meio à dor. Em segundo lugar, o amor por quem sofre. E este amor não consiste em palavras, mas em ações. Deve ser um amor que denuncia o pecado, mas que perdoa. Um amor que socorre, que compartilha, que promove a justiça e que luta contra toda forma de opressão e exploração. Um amor que busca o perdido, reconcilia os inimigos e estende-se sobre os miseráveis. Um amor assim constitui a mais veemente de todas as respostas que podemos oferecer àquelas perguntas que surgem quando acontece uma tragédia.

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