quarta-feira, 23 de março de 2011

Onde está Deus na tragédia?

"Nosso próprio inconformismo com as catástrofes
prova que estamos acostumados à ordem."
O terremoto e os tsunamis que devastaram parte da região costeira do Japão já contabilizam quase 10 mil mortos e quase 15 mil pessoas oficialmente desaparecidas. Em meio a tragédias como esta, sempre surgem aquelas perguntas inquietantes que muitos cristãos evitam: Onde Deus estava? Por que ele não fez nada? Deus podia fazer alguma coisa? Deus queria fazer alguma coisa? Deus realmente se importa?

De uns tempos pra cá, qualquer pessoa que tenha a intenção de defender a fé cristã tem de inevitavelmente lidar com a questão do sofrimento humano. Isso porque o sofrimento parece inconciliável com a ideia de que existe um Deus que é, ao mesmo tempo, onipotente e bom. Sem dúvida, o enigma do sofrimento é um dos maiores desafios lógicos, filosóficos, teológicos e pastorais com os quais os cristãos precisam lidar. Como a igreja pode responder às questões levantadas pela tragédia? Como a igreja pode responder particularmente àqueles que sofrem? Como a igreja pode perseverar em meio ao próprio sofrimento?

É impossível responder ao sofrimento, sem considerar as três maiores virtudes cristãs: a fé, a esperança e o amor. Elas são a base de tudo na teologia e na tradição cristãs. Se alguém nos perguntasse qual a resposta cristã para o sofrimento humano, teríamos de propor uma tríplice resposta: 1) fé na Palavra de Deus; 2) esperança num futuro sem sofrimento; e 3) amor por Deus e pelos que sofrem.

Fé na Palavra de Deus. Qualquer resposta à questão do sofrimento que não considere de modo amplo e honesto a revelação bíblica é incompleta e equivocada. Não se pode refletir sobre o sofrimento, sem uma "cosmovisão cristã", isto é, sem uma visão de mundo pautada no que a Bíblia diz. Os três conceitos basilares da cosmovisão cristã são: a criação, a queda e a redenção. A Escritura diz que Deus criou todas as coisas. E que ele as criou justas, perfeitas e com propósito. "No princípio Deus criou os céus e a terra (...) e tudo havia ficado muito bom" (Gn 1.1,31). Mesmo os sinais mais eloquentes de desordem no universo não são suficientes para anular as provas incontestáveis de que a ordem existe. Nosso próprio inconformismo com as catástrofes prova que estamos acostumados à ordem. Esperamos a ordem.

Mas a Bíblia não diz só isso. Ela diz que há um problema com o universo. E o problema somos nós. Logo nas primeiras páginas da Escritura, deparamo-nos com o registro da rebelião do homem contra Deus. Em sua busca impensada pela emancipação, o homem separou-se de Deus, passou a viver para si mesmo e colheu os frutos amargos de seu pecado. O capítulo 3 do primeiro livro da Bíblia lista algumas das inevitáveis consequências da separação entre a criatura e o Criador. Desarmonia entre homens e animais, degradação da natureza, relações interpessoais conturbadas, escassez ou dificuldade de acesso aos recursos naturais, males físicos e emocionais e, por fim, a própria morte são alguns dos resultados da queda do homem. Segundo a tradição judaico-cristã há um culpado pelo mal e pelo sofrimento presentes no universo: o homem.

Contudo, a cosmovisão cristã não se resume aos conceitos de Criação e Queda. A esperança dos crentes de todos os tempos e lugares, ao longo de vinte séculos de tradição cristã, repousa sobre uma terceira verdade inabalável: a Redenção. Todos os textos apocalípticos, tanto do Antigo Testamento como do Novo Testamento, apontam para a restauração final e definitiva de todas as coisas. A ordem será restabelecida. Um reino justo e perfeito será inaugurado. A paz, a justiça e a alegria durarão eternamente. Ante esta bendita esperança, Paulo diz que: "Os nossos sofrimentos atuais não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada" (Rm 8.18). Noutra de suas cartas, o apóstolo diz que "nossos sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos eles" (2Co 4.17).

Esperança num futuro sem sofrimento. No que diz respeito à expectativa de que Deus conserte tudo definitiva e eternamente, o pensamento do apóstolo Paulo está em harmonia com todos os demais autores da Bíblia. Do começo ao fim, a Escritura aponta para a restauração de todas as coisas. O último livro da Bíblia, por exemplo, descreve assim o desfecho da História:
Então vi novos céus e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham passado; e o mar já não existia (...) Ele [Deus] enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou (...) Estou fazendo novas todas as coisas. (Ap 21.1-5)
Em suma, o que a Bíblia diz sobre a situação da humanidade, do mundo e do universo é que nossos fracassos não são definitivos. A desordem não será a última palavra a respeito da nossa realidade. A morte não é o fim. Cristo é a nossa "esperança da glória" (Cl 1.27). Não precisamos nos encolher ante o sofrimento presente no mundo. Deus dará pessoalmente um basta a toda forma de mal. Ele enxugará cada lágrima e aliviará toda dor. E ele não fará isso por meio de uma consolação parcial, mas de uma redenção total.

Amor por Deus e pelos que sofrem. No entanto, a verdade é que ainda não vivemos na glória. Temos, portanto, de responder à questão do mal, enquanto vivemos sob as consequências da Queda. Enquanto Deus não conclui a História, temos de expressar de maneira prática nossa fé e nossa esperança cristãs, sobretudo quando estamos diante do sofrimento. E a única resposta cabível para o problema do sofrimento é o amor.

Por que as pessoas sofrem? Não existe uma resposta simples e universal para esta pergunta. Alguns sofrem em consequência de seus próprios pecados ou dos pecados de terceiros. Outros sofrem porque Deus quer chamar-lhes a atenção. Há ainda os que têm o caráter aperfeiçoado pelo sofrimento. Os cristãos podem sofrer de modo disciplinar. Deus pode usar o sofrimento para atrair os descrentes. Enfim, há tantas respostas possíveis, que não temos o direito de ocupar todo o nosso tempo procurando por elas. Temos de fazer alguma coisa enquanto sofremos ou enquanto alguém à nossa volta sofre. A resposta cristã para o sofrimento é o amor. Em primeiro lugar, o amor por Deus - amor a ser preservado, mesmo em meio à dor. Em segundo lugar, o amor por quem sofre. E este amor não consiste em palavras, mas em ações. Deve ser um amor que denuncia o pecado, mas que perdoa. Um amor que socorre, que compartilha, que promove a justiça e que luta contra toda forma de opressão e exploração. Um amor que busca o perdido, reconcilia os inimigos e estende-se sobre os miseráveis. Um amor assim constitui a mais veemente de todas as respostas que podemos oferecer àquelas perguntas que surgem quando acontece uma tragédia.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Universitários cristãos em perigo


"Um pouco de ciência nos afasta
de Deus. Muito, nos aproxima."
Louis Pasteur
Por que tantos cristãos abandonam a fé quando entram na universidade? Esta é uma das maiores preocupações dos pais cristãos - cujos filhos estão entrando nesta fase - e dos pastores que trabalham com jovens e adolescentes.

O ambiente universitário é repleto de oportunidades tanto para o bem como para o mal. Há, na universidade, uma variada fonte de pressões que podem fazer da vida de um calouro um verdadeiro caos. Em se tratando de jovens cristãos, ocorre um inevitável choque cultural, já que os valores que norteiam basicamente toda atividade universitária (seja acadêmica ou social) colocam-se em franca oposição aos valores sustentados no ambiente da igreja e dos lares cristãos.

A primeira fonte de pressão que um adolescente sofre é a emocional. Como se não bastassem todos os fatores psicológicos, sociais e físicos que envolvem esta fase da vida, ao ingressar na universidade, o adolescente abandona o ambiente acolhedor e protetor da família e das instituições de ensino médio, e é arremessado numa atmosfera que o obriga a cuidar de si mesmo, de suas atividades acadêmicas, de seu desempenho nos processos de avaliação, de sua integração com os demais alunos e do acesso às informações disponibilizadas pela universidade. A única maneira de amenizar os males que esta pressão exerce sobre sua vida é cercar-se de conselheiros que amam a Deus e que se importam em agradá-lo em todas as áreas da vida. Tais conselheiros podem ser encontrados na família, na sua igreja de origem, numa igreja próxima e no próprio campus da universidade.

A segunda fonte de pressão é a espiritual. A grande (e inconveniente) verdade é que a maioria dos adolescentes que professam a fé cristã ainda não passou por uma experiência pessoal de conversão, antes de entrar na universidade. De modo geral, eles simplesmente adotaram a fé dos pais, mas nunca enxergaram a si mesmos como pecadores, perdidos e que necessitam desesperadamente de um relacionamento íntimo e pessoal com um Deus que os ama incondicionalmente e perdoa continuamente. E a única maneira de lidar com esse quadro é compreender que uma das principais missões de um ministério com jovens e adolescentes ainda é a evangelização de crentes, a apresentação clara do plano da salvação, a discussão sobre a condição eterna de cada um e os males do cristianismo puramente nominal e do religiosismo vazio que permeiam as igrejas cristãs modernas.

A terceira fonte de pressão a que os cristãos são submetidos na universidade é a intelectual. "Um pouco de ciência nos afasta de Deus. Muito, nos aproxima." Esta frase é atribuída a Louis Pasteur, o cientista francês do século XIX, cujas descobertas tiveram enorme importância na história da química e da medicina. É fato! Ser iniciado cientificamente num ambiente completamente secularizado, ou seja, onde Deus é desprezado, pode abalar a fé insipiente de um jovem cristão. Atualmente, a fé em Deus é ridicularizada em quase todas as áreas do saber exploradas no ambiente acadêmico, onde a descrença, o relativismo moral e o materialismo filosófico são prevalentes. A melhor estratégia para prevenir a apostasia nesta fase é a igreja levar os adolescentes a refletir sobre questões fundamentais, como: a inspiração e a autoridade da Escritura, o verdadeiro papel da ciência na construção do saber e a razão por trás dos mandamentos bíblicos, habilitando os jovens a desenvolver uma visão crítica do mundo e da cultura à sua volta e apresentando a ele uma contracultura e um contra-discurso cristãos.

A quarta fonte de pressão é a social. A adolescência é a fase da vida em que mais nos preocupamos com o modo como as pessoas nos veem. Ansiamos por aceitação, aprovação e amor. Queremos nos sentir parte do grupo. Por isso, os colegas de faculdade exercem tanta influência sobre nossas crenças e nossa conduta. Somos facilmente induzidos a fazer aquilo que a maioria da turma parece aprovar e a evitar comportamentos que eles reprovam ou desprezam. Relacionamentos são importantes para a formação do caráter. Relacionar-se é exercer e sofrer influências interpessoais que modificam nossa visão de mundo e, consequentemente, nosso estilo de vida. Não é sem razão que a Bíblia chama de "feliz aquele que não segue o conselho dos ímpios, não imita a conduta dos pecadores, nem se assenta na roda dos zombadores!" (Salmo 1.1). Quando só ouvimos a opinião de quem não ouve a opinião de Deus, só nos cercamos de pessoas que fazem o que Ele reprova e não nos incomodamos quando Ele vira motivo de piada em nossa roda de amigos, estamos muito próximos de abandonar a fé. Tal ameaça previne-se com o fortalecimento de relacionamentos cristãos saudáveis, sinceros e abençoadores, centrados na Palavra, arbitrados pelo amor e orientados para a glória de Deus. Calouros cristãos não podem deixar de congregar. Se mudarem de cidade ou estado, devem filiar-se a uma igreja local. Devem manter contato, mesmo à distância, com sua igreja de origem (email, redes sociais, celular, Skype e chat são boas ferramentas para isso). Os calouros também devem se aproximar dos professores e colegas cristãos com quem convivem na universidade. Quando esta rede de relacionamentos é devidamente fortalecida, torna-se mais fácil resistir à pressão do grupo e preservar a fé.

Por último, a quinta fonte de pressão que os universitários cristãos enfrentam é a moral. Para muitos dos calouros cristãos, a universidade vai proporcionar o primeiro contato ou acesso fácil às drogas, à promiscuidade, e a baladas e eventos movidos a álcool. A falta de maturidade e de uma compreensão adequada das razões por trás de cada orientação moral das Escrituras fazem com que os adolescentes cristãos sejam muito vulneráveis às pressões que o ambiente universitário exerce sobre a conduta deles. A negligência nas disciplinas espirituais (oração, meditação, leitura bíblica, comunhão etc.), que passam a dar lugar às inúmeras atividades acadêmicas, acaba enfraquecendo as resistências morais destes jovens cristãos. Isso propicia desvios de conduta e, consequentemente, sérias deformações do próprio caráter. Em contrapartida, as únicas maneiras de fortalecer tais defesas morais são: submeter-se ao pastoreio de líderes que se constituem em bons modelos de vida cristã e que se dispõem a acompanhar os jovens em cada etapa da vida; e exercitar-se nas disciplinas espirituais, tão importantes para o aprofundamento do nosso relacionamento com Deus.

Pais e pastores de cristãos que estão na fase pré-universitária devem se preocupar em nutrir com eles relacionamentos sinceros e pautados na Verdade da Palavra. Devem se preparar para defender a esperança cristã de modo consistente, tanto bíblica como lógica e historicamente. Devem, acima de tudo, amá-los incondicionalmente - com um amor que perdoa, mas é firme; um amor que aceita, mas corrige; um amor que apóia, mas não aprova sempre.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Pra que a igreja existe?

"Evangelizar significa transformar
pecadores em discípulos de Jesus."
Pra que Jesus Cristo instituiu a sua igreja no mundo? Qual o propósito de Deus para a igreja cristã? Ao longo dos últimos dois mil anos, os cristãos ofereceram diversas respostas a esta pergunta. Já houve quem acreditasse que o propósito da igreja de Cristo era consolidar o poder do império romano, conquistar e explorar novas terras e povos, expandir os domínios dos tronos europeus, perseguir hereges, controlar o Estado, promover ações sociais, construir escolas ou hospitais, impor a moralidade cristã a uma sociedade não cristã etc. Apesar de serem diferentes entre si, todas estas respostas tinham uma coisa em comum: elas se desviavam do supremo propósito que o próprio Senhor da igreja estabeleceu para ela - a evangelização dos perdidos.

O texto bíblico conhecido como "a grande comissão" (Mateus 28.16-20) revela que para Jesus a igreja não tinha outro propósito, senão transformar pecadores em discípulos de Cristo. Segundo o próprio Senhor, todos os recursos - materiais, humanos e espirituais - da igreja devem ser empregados na suprema tarefa de alcançar os perdidos com a mensagem do evangelho (literalmente: boa nova). Ele não deixou os discípulos escolherem o que deveriam fazer com os recursos que tinham. Pelo contrário, Jesus estabeleceu pessoalmente a prioridade da igreja: a evangelização. Quanto à suprema missão da igreja no mundo, esta passagem do evangelho oferece respostas muito claras a pelo menos quatro perguntas:

Quem deve evangelizar? Quando Jesus reuniu seus onze discípulos (Judas Iscariotes já havia se suicidado), ele incumbiu todos eles da responsabilidade missionária. Jesus não dispensou Tomé, por ter duvidado; não recusou Pedro, por tê-lo negado; não preferiu João, por ser o discípulo amado. Ele delegou esta tarefa a todos os onze. Mais que isso, o livro de Atos dá provas inequívocas de que os primeiros cristãos entenderam que a responsabilidade missionária era de todos, não só dos onze. Em Atos 8.1-4, a Bíblia diz que, após o martírio de Estêvão e a consequente perseguição deflagrada contra os cristãos, a igreja teve de se espalhar pela Judéia e Samaria, ficando apenas os onze apóstolos em Jerusalém. Enquanto iam, os cristãos pregavam o evangelho por onde passavam. Um pouco mais adiante, em Atos 11.19-21, mais uma vez vemos todos os cristãos envolvidos na evangelização dos cidadãos da Fenícia, Chipre e Antioquia. Em 1Pedro 3.14-15, o apóstolo de Jesus orientou todos os cristãos perseguidos, dizendo: "... não fiquem amedrontados. Antes, santifiquem Cristo como Senhor em seu coração. Estejam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês." Ou seja, a evangelização deve ser encarada como responsabilidade de todos os crentes, não apenas de um grupo de pessoas vocacionadas ou especialmente treinadas para isso.

O que significa evangelizar? O escritor e teólogo John Stott afirma que “evangelizar é tornar conhecido, em palavra e em ação, o amor do Cristo crucificado e ressuscitado no poder do Espírito Santo, a fim de que as pessoas se arrependam, creiam, e recebam Cristo como seu Salvador e, em obediência, sirvam a ele como seu Senhor na comunhão da igreja." O chamado Pacto de Lausanne, documento elaborado em 1974, por líderes cristãos de 150 países, em Lausanne, na Suíça, define assim o termo: “Evangelizar é propagar as boas novas de que Jesus Cristo morreu por nossos pecados e foi ressuscitado dentre os mortos, segundo as Escrituras; e, como o Senhor que reina, Ele oferece agora o perdão dos pecados e o dom libertador do Espírito a todos que se arrependem e crêem." Isto é, evangelizar não é simplesmente propagar a crença ou o ponto de vista de um determinado grupo religioso, mas, conforme deixa claro a própria "grande comissão", é fazer discípulos de Jesus. É ensinar os pecadores a se arrepender, crer em Cristo para a salvação e obedecer à Palavra de Cristo, adotando-a como suprema regra de fé e conduta. Evangelizar significa transformar pecadores em discípulos de Jesus.

Como devemos evangelizar? Ninguém pode ensinar aquilo que não sabe. Eu, por exemplo, não posso ensinar ninguém a tocar violino, já que não sei absolutamente nada sobre isso. Se evangelizar é ensinar os pecadores a se arrepender, a crer em Cristo e a obedecê-lo, deve-se exigir arrependimento, fé (ou fidelidade) e obediência daqueles que estão incumbidos desta tarefa. Caso contrário, não estaremos habilitados para evangelizar. Não é preciso ser pastor, teólogo ou professor para fazer discípulos. Só é preciso uma coisa: ser um discípulo. A evangelização se faz: pregando o arrependimento e a fé em Jesus; pedindo uma decisão urgente pela obediência a Cristo; recebendo os convertidos como verdadeiros irmãos; apresentando a Bíblia como regra de fé e conduta; apresentando a si mesmo como bom modelo de discípulo de Jesus; e orando para que os perdidos se convertam e os discípulos cresçam à semelhança de Cristo. É assim que se evangeliza, não apenas decorando algumas "fórmulas mágicas" de oração ou de apresentação do evangelho.

Por que devemos evangelizar? É possível fazer a coisa certa, pelas razões erradas. Certa ocasião, o apóstolo Paulo chegou a dizer que “alguns pregam Cristo por inveja e rivalidade” (Filipenses 1.15). O que era verdade na igreja dos apóstolos, também o é atualmente. Muitos podem evangelizar por motivações absolutamente erradas ou pecaminosas. Há quem o faça visando: expandir a influência da sua denominação, aumentar a arrecadação financeira, conseguir mais votos para determinados candidatos ou partidos políticos ou simplesmente vencer uma discussão com alguém que professa outra fé que não a cristã. Contudo, nenhuma destas razões pode ser considerada suficiente, adequada ou justificável para a evangelização. Devemos evangelizar basicamente por três motivos: primeiro, porque amamos a Deus, portanto, nosso principal desejo deve ser agradá-lo acima de tudo. Segundo, porque amamos os perdidos, portanto, devermos estar sinceramente preocupados com a condição eterna deles. E terceiro, por obediência a Cristo, portanto, mesmo que não tivéssemos nenhuma outra razão para fazê-lo (o que obviamente não é o caso), deveríamos evangelizar mesmo assim.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A busca da felicidade

"Se buscarmos a Verdade, finalmente
alcançaremos a felicidade."
A busca da felicidade virou o maior obstáculo que os humanos enfrentam para a própria felicidade. Há um fenômeno psicossocial do nosso tempo que poderíamos chamar de "tirania da felicidade". Na cultura ocidental moderna, a felicidade virou uma obrigação. Por isso, muitas pessoas têm se sentido infelizes e têm buscado a felicidade nos lugares mais improváveis, recorrendo às drogas, à promiscuidade, à violência, à delinquência. Essa tirania da felicidade apresenta três mandamentos básicos: 1º. Eliminarás todo sofrimento; 2º. Realizarás todos os desejos; e 3º. Parecerás sempre feliz. O ensaísta francês Pascal Bruckner chegou a dizer que "a felicidade, mais do que o dinheiro, é a ostentação dos ricos." Segundo ele, é isso que os ricos exibem nas revistas de fofoca, nas colunas sociais e nas festas da alta sociedade. Para ele, "a felicidade virou parte da comédia social." Você é feliz? O que uma pessoa precisa para ser feliz? Em que consiste essa tal felicidade?

Ao contrário do que alguns religiosos mais ascéticos pensam, a felicidade é um assunto que interessa bastante a Deus. A lei de Moisés visava, entre outras coisas, orientar a construção de uma vida feliz - sobretudo na dimensão social. Os livros sapienciais da Bíblia falam exaustivamente sobre o assunto. A felicidade foi o tema inicial dos ensinamentos de Jesus, nas chamadas bem-aventuranças, que introduzem o sermão do monte. Paulo escreveu sobre a felicidade. João, no Apocalipse, apresentou a visão bíblica do que será um verdadeiro "final feliz" de proporções cósmicas. Ou seja, não é errado ser feliz. Errado é buscar a felicidade onde ela não pode ser encontrada. Pior ainda é definir felicidade de maneira diferente daquela que a Bíblia faz.

Voltando ao texto das bem-aventuranças (Mateus 5.1-12; Lucas 6.10-23), que abrem o sermão do monte, encontramos a felicidade como tema central daquele discurso de Jesus. A própria expressão "bem-aventurado" poderia ser traduzida por "feliz" ou "plenamente feliz". Jesus não apenas se interessa pelo tema felicidade, ele dá orientações claras e contundentes sobre o que é, onde encontrar e como alcançar a verdadeira felicidade.

Para Jesus, a felicidade é sim uma possibilidade. Ninguém deve encarar a infelicidade como uma espécie de karma insuperável, que deve ser suportado por toda a vida. Jesus também ensina que felicidade não é ausência de sofrimento, como pensamos hoje. Ele chama de felizes os pobres, os que choram, os humildes, os famintos e os perseguidos. Na perspectiva das bem-aventuranças, felicidade é uma questão de caráter. Jesus diz que os que querem a justiça, os que têm misericórdia, os que são puros de coração e os que promovem a paz é que são felizes. Isso não tem a ver com fama, fortuna, poder ou prazer, mas com traços de um caráter genuinamente cristão.

Segundo Jesus, a felicidade não é algo que se acumula, mas que se reparte. Alcança a misericórdia aquele que oferece misericórdia. Serão chamados filhos de Deus os que lutam pela paz. Outra novidade no ensino de Jesus, em contraste com os manuais de auto-ajuda, é que a felicidade não está relacionada diretamente àquilo que podemos fazer por nós mesmos, mas àquilo que Cristo pessoalmente fará por cada um de nós. É ele quem colocará no reino, consolará, dará a terra, fará justiça, terá misericórdia e se deixará ser visto. Por último, Jesus ensina que a felicidade só é possível no presente, quando mantemos os olhos no futuro. A virada de mesa que o Senhor promete aos seus ouvintes não é algo que acontece agora, mas no porvir. Todos os verbos relacionados à razão para a verdadeira felicidade estão no futuro, com exceção do primeiro. Os discípulos de Jesus podem ser felizes hoje, porque no porvir serão consolados, receberão a terra, serão satisfeitos, obterão misericórdia e verão a Deus.

Em nossa busca pela felicidade, não estamos sós. Temos um Aliado que é ao mesmo tempo onisciente, onipotente e onipresente. Alguém que pode não apenas nos indicar o caminho para a felicidade, mas nos conduzir por ele. Aliás, Alguém que quer (e deve) ser a nossa felicidade. Uma felicidade que tem a sua base na Verdade. Porque, se buscarmos a felicidade a qualquer preço, vamos nos afastar da Verdade e, consequentemente, da própria felicidade. Por outro lado, se buscarmos a Verdade, finalmente alcançaremos a verdadeira felicidade. Como escreveu o teólogo James Houston: “As bem-aventuranças de Jesus demonstram a forma pela qual podemos experimentar a felicidade transformadora em nossa própria vida (...) Não são apenas dizeres belos e poéticos; repreendem-nos e corrigem-nos, levando-nos a romper com o antigo estilo de vida.”

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Crendice, otimismo e fé

"A fé bíblica é um tipo de
disposição mental diferente
em relação ao futuro e
ao mundo invisível"
Outro dia, um teleguru espiritual ensinava sobre fé num programa da TV aberta. Ele contou a história de um fiel de 80 anos que já tinha perdido todos os dentes. Segundo ele, o velhinho decidiu que se começasse a comer mingau diariamente, como fazia quando criança, seus dentes nasceriam de novo. Ele fez isso e não deu outra: sua boca encheu-se de dentes. "Isso é que é fé", concluiu o profeta.

Não! Isso não é fé. Pelo menos não é a fé bíblica. Fé não é crendice. Não é utilizar estratégias ritualísticas para manipular o mundo espiritual em nosso favor. Fé não é otimismo. Não é a crença ingênua e sem fundamento de que as coisas darão certo no final. Fé não é ausência de medo ou de dúvida. Não há um só personagem bíblico que não tenha sentido estas coisas. Fé não é uma lista de regras às quais nos submetemos ou de dogmas com os quais concordamos. A Bíblia diz que a fé é outra coisa.

Segundo as Escrituras, "a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos" (Hebreus 11.1). Ou seja, a fé bíblica é um tipo de disposição mental diferente em relação ao futuro e ao mundo invisível. Esta disposição mental não se fundamenta nas nossas crendices pessoais, mas na própria revelação da Bíblia. Porque "a fé vem por se ouvir a mensagem, e a mensagem é ouvida mediante a palavra de Cristo" (Romanos 10.17).

Vivemos mergulhados numa cultura que só consegue valorizar o aqui e o agora. Nossa sociedade é escrava do presente. O que importa, em nosso mundo, é aquilo que podemos fazer, sentir, conquistar, usar hoje, sem nenhuma consideração pelo futuro - nem pelo futuro próximo e, muito menos, pelo futuro distante, a eternidade. Do ponto de vista bíblico, ter fé é considerar o porvir mais importante que o tempo presente. Aliás, ter fé é viver o tempo presente com um olhar fixo na eternidade. É conduzir o hoje, na perspectiva e na expectativa do amanhã. É escolher diariamente o amanhã, em detrimento do hoje, e nunca o contrário. Porque "a fé é a certeza daquilo que esperamos", e não do que já temos.

A nossa cultura também é orientada pelo materialismo. As pessoas à nossa volta são espiritualmente míopes, só conseguem valorizar o que se pode comprar, vender, ostentar, acumular. Elas simplesmente não atribuem nenhum valor àquilo que é imaterial. O amor, a honestidade, a fé, a bondade, o domínio próprio, a lealdade só são valorizados na medida em que conduzem à conquista de coisas materiais. Ou seja, na prática as coisas imateriais não têm valor algum no nosso mundo. Numa perspectiva bíblica, ter fé é ver o invisível, é dar valor àquilo a que o mundo não dá valor, é viver uma contracultura, é oferecer um contradiscurso ao discurso dominante do materialismo. Ter fé é compreender que a realidade não se resume àquilo que está aí diante dos olhos, mas que existe algo mais, algo maior e mais sublime - algo de que a Bíblia fala e que devemos buscar. Porque a fé é "a prova das coisas que não vemos".

Infelizmente, muito do que é apresentado como fé nos púlpitos das igrejas, nos programas de TV, na hinologia gospel e na teologia popular não tem nada a ver com a fé cristã genuína. As pessoas estão confundindo fé com outras coisas. Estão engolindo gato por lebre. Os crentes modernos têm abraçado uma fé que está fadada ao fracasso. Uma fé que os fará naufragar, por muitos motivos: porque as coisas não dão certo sempre, porque ninguém pode manipular a mão de Deus, porque o medo e a dúvida nos assaltam com frequência, porque as regras nem sempre nos aproximam de Deus e porque até sã doutrina pode ser árida e infrutífera como o pior deserto. Por isso, precisamos da fé. Mas não de qualquer tipo de fé, e sim da fé acerca da qual a Bíblia, do começo ao fim, nos instrui.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Verdades sobre a tentação

"Nos deparamos diariamente com
oportunidades para fazer o mal."
Um diabético abre a geladeira e dá de cara com um delicioso pudim de leite. Um homem mal casado se depara com o generoso decote de uma colega de trabalho que vive se insinuando. Um cidadão endividado encontra uma bolsa com 30 mil reais. Sabe o que estas pessoas têm em comum? Se você pensou: "sorte", se enganou. Eles estão sendo tentados. A questão é que nos deparamos diariamente com oportunidades para fazer o mal. E o fato de sermos cristãos não nos torna imunes a isso.

A maioria dos cristãos que conheço nutre uma expectativa errada em relação a Deus e às tentações. Eles gostariam que Deus banisse de vez Satanás, que sempre nos prepara armadilhas; ou erradicasse a nossa natureza pecaminosa, que inclina todo o nosso ser para o erro; ou simplesmente nos desviasse de situações que nos impelem para o pecado. Mas a Bíblia e a experiência mostram que Deus não age assim. Pelo contrário, a Escritura diz que as tentações a que somos submetidos têm um papel fundamental em nosso desenvolvimento espiritual. Em algumas circunstâncias, as tentações testam nossa lealdade; em outras, elas desenvolvem nossa lealdade; e, de modo geral, todas as tentações revelam a inabalável lealdade de Deus.

Um dos episódios mais emblemáticos na biografia de Jesus Cristo é a tentação do deserto. A Bíblia diz que, logo após ser batizado por seu primo João, o Senhor foi conduzido pelo Espírito ao deserto, onde foi tentado pelo Diabo ao longo de 40 dias. Os evangelistas Mateus, Marcos e Lucas descrevem, cada um a seu modo, o célebre embate entre Cristo e Satanás. A maravilhosa história da vitória do nosso Mestre sobre a tentação nos ensina algumas verdades importantes sobre esta luta diária de cada crente.

A primeira verdade é que ninguém está imune à tentação. Se o próprio Filho de Deus encarnado foi tentado pelo Diabo, não há nenhuma razão para que esperemos ser poupados das tentações. Aliás, todos os grandes personagens bíblicos foram tentados. Abraão, Moisés, Sansão, Davi, Jonas, Pedro, Paulo e todos os demais servos de Deus de que a Bíblia fala lutaram com tentações.

A segunda verdade é que ser tentado não é pecado. Perdi a conta de quantas vezes fui procurado por cristãos que se sentiam culpados por serem tentados. Mas se a Bíblia diz que Jesus "como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado" (Hebreus 4.15), é porque ninguém deve ser condenado por sentir-se tentado.

A terceira verdade é que nenhuma tentação é irresistível. Geralmente desculpamos nossos erros dizendo que não havia outra saída naquele momento, a não ser pecar. Jesus enfrentou a tentação como um homem que estava faminto, fisicamente fraco e fragilizado pela solidão do deserto. E venceu. Paulo diz que Deus "não permitirá que vocês sejam tentados além do que podem suportar" (1Coríntios 10.13). Podem existir, sim, inúmeros fatores que expliquem porque nos sentimos tentados a pecar, mas nenhum deles justifica o fato de termos pecado.

A quarta verdade é que somos tentados em nossas necessidades. Jesus tinha fome. Por isso, numa das tentações do deserto, o Diabo sugeriu que Jesus usasse seu poder para transformar pedras em pães. Quais as suas necessidades? Você sabia que é neste campo que Satanás irá investir contra você? Se você se sente afetivamente carente, desvalorizado no trabalho, preocupado com uma prova da faculdade, se está endividado, etc., você será tentado exatamente nestas áreas.

Por último, a quinta verdade é que Deus recompensa quem não cede à tentação. Depois que Jesus resistiu às tentações do deserto, "o Diabo o deixou, e anjos vieram e o serviram" (Mateus 4.11). Paulo diz que nós não podemos nos deixar enganar. Se plantarmos o pecado, colheremos a destruição. Por outro lado, se plantarmos a obediência e a justiça, colheremos a vida eterna (cf. Gálatas 6.7-9). Resistir à tentação não é optar pela infelicidade, não é escolher a pior parte, não é desistir do prazer. Pelo contrário, dizer "não" ao Diabo é potencializar ao máximo a nossa alegria. É adiar o prazer. É escolher entre dois prazeres: o de fazer o que queremos e o de fazer o que devemos, sabendo que o segundo prazer é muito superior ao primeiro. Resistir à tentação é esperar em Deus. É rejeitar a oferta miserável do Diabo, para receber das mãos de Deus um bem muito mais precioso. Resistir é declarar que não nos contentamos com nada menos do que aquilo que Deus tem para nos dar - do jeito de Deus e no tempo de Deus.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Lições do Natal

"O Natal é a história de um
amor que não é verso, é gesto."
É Natal de novo. E todo mundo vai falar em Jesus. A apresentadora no programa de auditório, o pastor no culto, o bêbado na festa. Vão dizer um monte de coisas sobre ele. E mesmo o Natal sendo a festa simbólica do aniversário do Cristo, ele terá de disputar de novo a atenção de todos com uma porção de outras coisas: o pinheiro enfeitado, o Papai Noel, as renas, os duendes, o John Lennon. Tudo nos distrai no Natal. Tudo parece afastar-nos do Dono da festa.
Mas o Natal é ele. É o menino-Deus na manjedoura, entre bichos e pobres, sob o céu estrelado, até então, sua casa, seu lar. O Natal é ele perto, ele gente, ele entre nós. É ele vindo ao encontro dos que o abandonaram. É ele vindo buscá-los. O Natal é uma fonte de lições que o shopping não nos pode ensinar.

Natal é a lição do amor. Essa palavra tão gasta, tão vã. A gente ama tudo (a bolsa, o carro, o chocolate), e acaba que não ama nada (o filho, o pai, o par). A história de Cristo é a história de um amor que não é verso, é gesto. Um amor que não se faz em palavras, mas em ações. Um amor que deixa o céu e vem. Um amor que busca, que acha, que sofre, que faz, que não se desfaz. Um amor que é, não que diz que é. Porque quem não demonstra amor não ama. Simples assim.

Natal é a lição da humildade. De quem era Deus, mas não se apegou a isso. De quem se despiu, se esvaziou, se desfez de todas as insígnias da Divindade, só pra se fazer gente. E ele se fez pobre, se fez moribundo, se fez fraco, se fez morto, se fez a própria morte. Num universo onde a gente se apega a tudo que revela ou simula o nosso status, o nosso lugar no mundo, na sociedade, no organograma da raça, Jesus simplesmente se desapegou. E fez o Natal.

Natal é a lição do serviço. Porque Aquele que no céu era servido... serviu. Nasceu despido, que nem gente. Cresceu vestido, que nem servo. Enrolou-se numa toalha, que nem escravo. Lavou os pés dos que não mereciam. Natal é o Senhor que virou Servo. O Deus-escravo, lavador de pés, fazedor do bem, não importa a quem. E, se o Natal é serviço, é um tipo de serviço que não encontra limites, não respeita obstáculos. Um serviço que nem a rejeição, nem o sofrimento, nem a morte podem fazer parar. Um serviço que vai da manjedoura à cruz, sem capitular. Um serviço que sacrifica tudo e se sacrifica, pelo bem do outro, pelo bem comum, pelo bem dos maus.

Se o Natal é mesmo tudo isso, ninguém há de encontrá-lo no shopping. Talvez nem na igreja, nem em volta da ceia, nem nas barbas de um bom velhinho. Se o Natal é amor, humildade e serviço, só o acharemos em Jesus. No Jesus que se esconde e se disfarça de pobre, nu, doente, preso. Porque é no desamparo que se anseia amor. É na sujeira que se quer a humildade. E é na dor que se espera o serviço. Então, é Natal.